domingo, 14 de fevereiro de 2010

Se os tubarões fossem homens


Se os tubarões fossem homens

Bertolt Brecht

Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha da sua senhoria ao Senhor K., eles seriam mais amáveis com os peixinhos?
Certamente, disse ele.
Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos com todo tipo de alimento, tanto animal como vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca, e tomariam toda espécie de medidas sanitárias.
Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, então lhe fariam imediatamente um curativo, para que ele não morresse antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem melancólicos, haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes.
Naturalmente, haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas, os peixinhos aprenderiam como nadar para as goelas dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura.
Os peixinhos saberiam que esse futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam evitar toda inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista, e avisar imediatamente os tubarões, se um dentre eles mostrasse tais tendências. Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões.
Os peixinhos – eles iriam proclamar – são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não podem se entender. Cada peixinho que na guerra matasse alguns outros, inimigos, que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, naturalmente haveria também arte entre eles. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores soberbas, e suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos nadando com entusiasmo para as gargantas dos tubarões, e a música seria tão bela, que a seus acordes todos os peixinhos, com a orquestra na frente, sonhando, embalados nos pensamentos mais doces, se precipitariam nas gargantas dos tubarões.
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa apenas na barriga dos tubarões. Além disso, se os tubarões fossem homens também acabaria a idéia de que os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores poderiam inclusive comer os menores. Isto seria agradável para os tubarões, pois eles teriam, com maior freqüência, bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores, detentores de cargos, cuidariam da ordem entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, construtores de gaiolas, etc.
Em suma, haveria uma civilização no mar, se os tubarões fossem homens.


Bertolt Brecht (1898-1956) reuniu na obra Histórias do Senhor Keuner, em 1932, parábolas escritas com humor e ironia, satirizando o comportamento da época. pucviva

9 comentários:

  1. Meu caro Eduardo não conhecia este seu blog, gostei principalmente de encontrar uma postagem do Bertolt Brecht, que mais que um simples escritor ele é critico vorazda História.
    Já estou seguindo... Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo blog. Excelente. Já me tornei seguidor. Também tenho um simples blog de história. Ficarei honrado com a sua visita, e mais ainda se puder divulgar o meu blog.
    http://historiaedebate.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  3. joi, 18 martie 2010
    CONTEMPORARY POETRY: EFIGENIA COUTINHO (BRAZIL)


    TORMENTO

    Antes de partir, te beso con Ternura.
    En mis ojos prometo nueva Ventura:
    Del sueño esplendoroso, Amor y Pasión pura,
    siendo este afecto con infinita hermosura...

    Bienvenido, con la primera luz del día,
    nuevo Futuro, tonos acuarelas y melodía.
    Al atardecer, proclamo Adiós al Día,
    Ven noche de luna, por la plata te irradia.

    Te soñé, con gracia, regocijo y candidez,
    Canté cantinelas de singular blandura,
    manifestando nobleza, en la mente pura...

    El Sueño se desvanece, sufriendo rompimiento.
    Oh! la inseguridad de este infernal sentimiento.
    ¡El día de decír Adiós , gran tormento!...


    http://contemporaryhorizon.blogspot.com/2010/03/contemporary-poetry-efigenia-coutinho_18.html

    ResponderExcluir
  4. Muito bom. Não conhecia este texto. Tentei pensar o inverso. mas acho q não funciona.

    "O amor é a capacidade de perceber o semelhante no dessemelhante"
    Adorno, Theodore

    abraços

    ResponderExcluir
  5. Boa Páscoa, Eduardo.
    Um abração

    ResponderExcluir
  6. Nossa, eu amo esse cara.
    FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... deseja um bom dia para você.
    saudações Educacionais !

    ResponderExcluir
  7. Brecht arrasa! Adoro seu sarcasmo, e a sua visão precisa da propria espécie. Este conto é uma alegoria fundamental aos amantes do bom texto. Obrigada por postar.

    ResponderExcluir
  8. ...maneiro
    tudo por aqui
    bem vindo ao balaio
    tamos juntos!!

    aquele abraço

    ResponderExcluir
  9. Eduardo,
    Entrar e dar-me de cara com Brecht, é certeiro que voltarei primeiro do que vim, amigo...

    Abraço mineiro,
    Pedro Ramúcio.

    ResponderExcluir