quinta-feira, 30 de julho de 2009

Entre jeans e lágrimas


Escrito por Dani Machado
01-Jul-2009
Curiosamente, eu não sabia que a Terra tinha seu dia

um dia seguinte da escrita desta crônica.



Chove. Chove. Chove. Chove muito. - Até parece que a Terra revoltada resolveu descarregar todas as suas lágrimas de uma só vez. Ela pensava.
Decidiu não mais sair de casa. E observava a chuva. Talvez como a chuva, seu estado era se tornar inerte, resoluta e conseguintemente cansada. E tirava suas dúvidas com a natureza. Ficou convencida de que não adiantaria esperar a chuva passar porque as nuvens lhe responderam que iriam permanecer chorando por mais umas oito horas com o intuito de reivindicação com os homens de que a natureza estava também cansada por sofrer inúmeros ataques de violência todos os dias. Sabiamente, ela chorava, pois tinha a noção de que chorando, as pessoas, saíam menos de casa.


- Parece que a Terra tem razão – refletiu. Então tirou a jaqueta jeans azul surrada de tanto uso, as sapatilhas azul e a calça jeans também azul. E percebeu nesse instante que o azul repetitivo de seus tons que usara ao tentar sair de casa, revelava a saudade de sair de casa nas tardes calorentas de um Rio suado e mergulhado em cores de verão que se despediam. Chegava o outono e o azul que surgia intimava a sua saudade para um passeio. Mas não se tratava de um passeio comum, como aquele que ela pensara em fazer há sete minutos atrás.


Mudou o seu rumo, tirou o azul que lhe dava saudade e decidiu ouvir jazz e tomar chocolate amargo quente com a necessária impressão de que se ela não se intimava com a idéia conseqüente de que nada adiantaria sentir as lágrimas do Planeta nesse momento, e se ela não mudasse o trajeto de seu passeio nessa tarde, de nada valeria saborear as cores azuis da vida e respirar os gostos amargos dos chocolates quentes das inúmeras tardes chuvosas de outonos passados.


Respirou intensamente. Enxugou uma lágrima que escorria-lhe a face e tal como as lágrimas da Terra, baixou o volume do som que tocava Julie London com a versão de Cry me a river e esta foi traduzida em seu final como um pedido de socorro. Dessa vez quem chorou muito foi ela. Chorou, chorou e chorou.

Fonte: http://revistaautor.com/index.php?option=com_content&task=view&id=463&Itemid=1

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Nosotras e o Círculo de Mulheres Brasileiras: feminismo tropical em Paris

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Joana Maria Pedro e Cristina Scheibe Wolff
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Di Cavalcante

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terça-feira, 21 de julho de 2009

A Origem dos nomes dos Meses e do Ano Bissexto

As mudanças nos calendários ao longo da história.
por José Augusto Carvalho*


No calendário de Rômulo, o primeiro rei de Roma e seu fundador, o ano começava em março e tinha dez meses, cujos nomes primitivos eram Martius (em homenagem ao deus da guerra, Marte), Aprilis (nome relacionado a Apros ou Afros, designativo de Afrodite, nome grego da deusa Vênus, a quem abril era dedicado); Majus (em homenagem à deusa Maia, uma das Atlântidas, amada de Júpiter e mãe de Mercúrio), Junius (em homenagem à deusa Juno, equivalente à deusa Hera dos gregos), Quintilis, Sextilis, September, October, November e December. A relação de aprilis com aperire (abrir) surgiu posteriormente, na vigência do calendário de Numa Pompílio, por ser abril o mês da primavera, em que "todas as coisas se abrem".

Numa Pompílio (circa 715-circa 672 a.C.), sucessor de Rômulo, querendo igualar a contagem do tempo romano à dos gregos e fenícios, reformou o calendário de Rômulo, instituindo os meses de Januarius (em homenagem ao deus Janus, protetor dos lares) e Februarius, do latim februus, adjetivo de primeira classe que significa "o que purifica, purificador". No mês de fevereiro, realizavam-se cerimônias de purificação, como sacrifícios expiatórios e os ritos de purificação chamados "lupercálias a". As lupercálias eram festas em homenagem a Pã, realizadas no dia 15 de fevereiro, em que jovens saíam nus da gruta Lupercália flagelando os transeuntes com um cinto de pele de cabra chamado também lupercal , considerado capaz de eliminar a esterilidade e provocar partos felizes.

Homenagens

Os meses Quintilis e Sextilis foram rebatizados com os nomes de julho e agosto, em homenagem aos dois primeiros dos doze césares: Julius (Júlio César) e Augustus. Para que julho e agosto tivessem o mesmo número de dias, subtraíram-se dois dias do mês de fevereiro. Repare que as festas de junho são juninas (de Juno), mas as festas de julho são julianas (de Júlio), e não "julhinas" ou "julinas", nomes que não existem.


O mês da mentira


A reforma que Carlos IX empreendeu na França em 1564 apenas obrigava os franceses a seguir o calendário juliano (com o ano começando a primeiro de janeiro). Até então, e desde Carlos Magno, era o calendário de Rômulo (com o ano começando a primeiro de março) que vigorava na França. O papa Gregório XIII, em 1582, realizou uma nova reforma, ao verificar que o calendário juliano havia incorrido num erro anual de 11 minutos e 8 segundos.

Desde o ano 44 a.C. até 1582, por causa desse erro, havia uma diferença de dez dias. Para compensar esses 10 dias e regularizar a contagem do tempo, o papa determinou que, ao dia 5 de outubro de 1582, deveria seguir-se o dia 15 de outubro, e não o dia 6. A reforma gregoriana causou confusão com as datas e as comemorações tradicionais - além de bagunçar a astrologia. O dia 21 de março corresponderia ao fim do signo de peixes.

A confusão de 10 dias fez crer que o dia primeiro de abril era ainda de peixes, isto é, o signo pularia dez dias para terminar no dia primeiro de abril. Em francês, a expressão poissons d'avril, isto é, peixes de abril, passou a designar as mentiras de primeiro de abril, porque até o nome abril, por engano, teria passado a ser considerado como o primeiro dia do ano, a abrir o ano. Da França, o dia dos enganos se estendeu ao resto do Ocidente.


Abril

Abril vem de aprilis, nome de um dos espíritos que seguiam o carro de Marte, deus da guerra, que deu nome ao mês de março. Assim, aprilis não se relaciona com abrir (latim: aperire), mas com o grego Apros ou Afros, designativo de Afrodite, nome grego da deusa Vênus, a quem abril era dedicado, ou com o sânscrito áparah, que significa "posterior" (aparentado com o gótico afar ou aftra, que significa "depois"), pois abril era o segundo mês do ano, no calendário civil de Rômulo (daí os nomes setembro, outubro, novembro e dezembro para os meses sete, oito, nove e dez, respectivamente).



Lupercálias

O nome "Luperca" designa a loba que amamentou os gêmeos Rômulo e Remo na gruta chamada Lupercal. Na realidade, "lupus", lobo, em latim, primitivamente, não tinha feminino. A loba-animal era "lupus femina". "Lupa" designava a cortesã, daí o nome "lupanar" para designar o prostíbulo. A "lupa" que amamentou os gêmeos era, na verdade, uma cortesã chamada Aca Laurentia ou Laurentina. Os sacerdotes romanos é que "purificaram" a origem de Roma, atribuindo à loba-animal a amamentação dos gêmeos que fundaram a cidade.

Lupercal

Lupercus se teria originado da justaposição de lupus (lobo) com hircus (bode), mas, como era outro nome de Pã, deus dos pastores e dos rebanhos, presume-se que lupercus signifique também "o que afasta o lobo".



Fasti

A palavra fasti (latim) se refere ao calendário romano e, especialmente, a um poema longo e provavelmente inacabado do poeta Ovídio sobre os festivais religiosos do ano romano e suas origens mitológicas. Na Roma Antiga, fasti era o plural do adjetivo fastus, derivado de fas, que significa o que é imposto ou permitido pela lei divina, em oposto a jus, a lei humana. Assim, fasti se tornou sinônimo dos dias em que a lei podia ser cumprida sem piedade - os nossos dias úteis; os dias opostos aos dies fasti eram os dies nefasti, nos quais, por motivos religiosos, a corte não podia se reunir.


A partir daqueles três nomes

O calendário romano tinha três datas com nome próprio: Kalendae ou Calendas (o primeiro dia de cada mês), Nonae ou Nonas (o dia 5 de todos os meses, exceto março, maio, julho e outubro, em que Nonae designava o dia 7) e Idus ou Idos (o dia 15 para aqueles quatro meses e o dia 13 para os outros meses). Os outros dias de cada mês eram citados a partir daqueles três nomes.

Em outras palavras, em lugar de numerar os dias em sequência crescente, como fazemos, os romanos preferiam numerar os dias usando as palavras Calendas, Nonas e Idos como pontos de referência. Para se ter uma ideia, a expressão "desde 3 de junho até 31 de agosto" se dizia em latim como "terceiro dia antes das nonas de junho até o primeiro das calendas de setembro" ("ante diem III Nonas Junias usque ad pridie Kalendas Septembres").

O dia 24 de fevereiro era chamado "o sexto das calendas de março". No nosso calendário, o gregoriano, no ano bissexto, temos um dia a mais, acrescentado ao último dia do mês de fevereiro. Mas, no calendário juliano, o dia a mais era acrescentado ao dia 24. Ou melhor: havia dois dias de número 24. Portanto, havia duas vezes o sextus dies (bis sextus) antes das calendas de março. Desses dois sextos é que se originou a expressão "ano bissexto".

Nas modificações efetuadas por Numa Pompílio no calendário de Rômulo, o ano civil tinha um erro de dez dias em relação ao ano solar. Ele tentou corrigir o erro acrescentando um mês de dez dias entre 23 e 24 de fevereiro. Mas essa solução trouxe tantos problemas que, em 44 a.C., Júlio César resolveu modificar novamente o calendário, dando ao ano a duração de 12 meses, ou 365 dias, de acordo com o calendário egípcio.

Foi um astrônomo de Alexandria, chamado Sosígenes, que descobriu que o ano civil tinha seis horas a menos que o ano solar. Assim, Roma instituiu que a cada quatro anos seria acrescentado um dia em fevereiro. Como vimos, o dia 24 de fevereiro era chamado "sexto das calendas". Com o dia adicional (acrescentado após o dia 24, com a mesma numeração), houve dois sextos (=bissexto) das calendas.

Revista Língua Portuguesa

domingo, 19 de julho de 2009

Aprender a ver

A poesia de Cassiano Ricardo nos ensina a enxergar a importância e o alcance da visão humana

Gabriel Perissé

Cena de Um cão andaluz, de Luis Buñel e Salvador Dali: marco do surrealismo


Afirmava o poeta Charles Baudelaire que poderia passar vários dias sem comer, mas não conseguiria viver 24 horas sem poesia. Nem todo mundo ousaria referendar essa afirmação. Afirmação metafórica, cuja verdade não literal é que a poesia alimenta nossa sensibilidade, fortalece nossa relação com a linguagem, aumenta nossa capacidade de compreender a condição humana.

Por amor à nossa saúde interior, deveríamos reservar alguns minutos do dia para ler os poetas. Saborear rimas, aliterações e outras brincadeiras sonoras. Mentar novas imagens. Embarcar em ritmos que nos façam caminhar de modo mais criativo na prosa cotidiana.

Poesia que seja uma fuga... para a realidade, para o mundo, fuga que nos torne mais atentos ao que nos rodeia. A poesia de Cassiano Ricardo (1895-1974) nos ensina a empreender essa fuga realista. Abre-nos caminhos verbais para ver melhor, para pensar e agir com maior radicalidade.

Saber pensar poeticamente consiste em descobrir, mediante o jogo da palavra, novos aspectos e matizes do jogo da vida. O pensamento poético é uma espécie de vidência. Os poetas, por não fazerem o jejum da palavra, por serem devoradores e criadores do verbo, podem ver e ajudar a ver. Não sem razão, muito já se comentou sobre a semelhança entre a atividade dos poetas e a dos profetas.

Nascemos para ver
Cassiano Ricardo nos ensina a ver. A ver o quê?
Em primeiro lugar, ver a importância e o alcance da visão humana. Podemos ver mais do que imaginamos. O nosso olhar pode penetrar regiões impensáveis.
No poema "Mulher recém-morta num desastre" (do livro Montanha-russa, de 1960), o atropelamento banal de uma mulher é muito mais do que um lamentável episódio urbano:

Ei-la, agora, em decúbito
dorsal, o antigo olhar
apagado, tão de súbito
que continua a olhar.

O olhar morto continua vivo, mas vendo outras coisas. O mundo de cá, as flores, as coisas pequenas que ela via, tudo isso que a rodeava também deixou de existir subitamente, porque...

Só existiu quem foi visto
por seus olhos vigentes.
Não quem chegou antes,
nem quem chegar depois.


O mundo daquela mulher deixou de existir no momento em que ela deixou de contemplá-lo, mas parece que passou a admirar outras paisagens. O poeta assiste à cena de modo ativo e criativo. A mulher recém-morta só continua viva porque ele recolhe aquela mulher em seus versos. No final, um operário se aproxima do corpo inerte, e com a mão suja de graxa fecha-lhe as pálpebras. O motivo desse gesto é revelado pelo poeta. O operário tem medo de ser visto:

Com medo de ser visto
por seus olhos, tão distantes
que pareciam estar vendo
algo jamais visto antes.

O olhar, mesmo perdido, denuncia que algo está sendo visto para além do visível. Nunca paramos de ver. Nascemos para ver. Morremos para ver.

Visão do mundo e de mundo
A visão faz a realidade ganhar qualidade, consistência e valor. A visão humana é sempre interpretativa. O olhar humano faz o mundo tornar-se humano.

Em outro poema, "ETC." (em Um dia depois do outro, de 1947), Cassiano já se referia à visão:

Sem os nossos olhos, sem o que somos,
que adiantaria haver mundo?
Seria a árvore dos dourados pomos, etc.

O poeta alude aos versos de outro poema, conhecido nas antologias escolares do seu tempo, "Esperança", no qual o autor, Vicente de Carvalho (1866-1924), ensina que a felicidade desejada, "Árvore milagrosa que sonhamos / Toda arreada de dourados pomos, // Existe, sim; mas nós não a alcançamos / Porque está sempre apenas onde a pomos / E nunca a pomos onde nós estamos". O mundo seria essa árvore que a todos se entrega, com seus frutos, frutos que nós próprios tornamos inalcançáveis. Embora seja este mundo o único lugar da felicidade possível, ele seria inútil sem a nossa visão.

Ver ativamente é criar uma visão do mundo e uma visão de mundo. Nesse mesmo poema "ETC.", uma outra morte se dá. Trata-se agora de um suicídio:

Agora mesmo, não faz senão um minuto,
no banco do jardim... que foi? Um homem suicidou-se.

Mas não foi apenas um suicídio. Ele nos suprimiu, ao fechar seus olhos para o mundo:

Ele nos destruiu também, simbolicamente.
Que destruir a si mesmo importou, para ele,
em destruir o mundo físico,
que só existia em razão dos seus frágeis sentidos
principalmente em razão dos seus olhos, etc.

Nossos sentidos não são meros sensores. Há neles mil possibilidades. Vendo, ultrapasso as simples informações sensoriais, dou ao que vejo existência significativa, finalidade, sentido. Não basta existir, é preciso existir para alguém, existir aos olhos de alguém.

Por isso, o suicida não se mata apenas. Ele nos mata! Ele inviabiliza nossa existência, ao dizer (sem falar) que nós não temos tanta importância assim. Que ele não nos quer ver mais. Que não somos tão relevantes assim. Se não houvesse relação viva entre os homens, um morto seria apenas uma coisa morta e muda. Tal morte não diria nada a ninguém. O fato de não termos mais, sobre nós, os olhos do suicida faz com que percamos valor e existência.

Olhar de mútua aprovação
O olhar como um fiat de aprovação. Um "faça-se". Um olhar acolhedor e criador. Se um homem se mata, comunica determinada avaliação do mundo, desaprova tudo o que o rodeia, nega, enfim, a possibilidade de dar sentido a esse mundo.

No campo do ensino, o olhar se antecipa ao falar. O olhar do professor dá existência ao aluno, pondo esse aluno onde nós estamos, diante de nós, ao nosso lado, e não em pesquisas e tratados distantes da realidade. O modo como o professor encara seu aluno, o que dele pensa, é fundamental. É o professor, com sua maneira de conceber a educação, o conhecimento, o livro didático, a sala de aula, é o professor quem confere ao aluno a chance de crescimento, de existência efetiva. Olhando o aluno, não como coisa inerte ou incômoda, mas como um ser destinado a aprender, o professor abre-lhe efetivamente caminhos de aprendizado.

A recíproca é verdadeira. A legitimidade do professor não procede tanto dos diplomas que conquistou, ou do tempo de vida profissional acumulado, mas do olhar que recebe de seus alunos. Olhando o professor com respeito (respectare, em latim, significa "olhar muitas vezes e com atenção", "levar em consideração"), o aluno reafirma-lhe a condição de educador.

Sem esse olhar de mútua aprovação, é impossível ensinar, é impossível aprender.

Gabriel Perissé é doutor em filosofia da educação (USP) e professor do Programa de mestrado/doutorado da Universidade Nove de Julho (SP); www.perisse.com.br

Revista Educação