terça-feira, 12 de maio de 2009

A fala de terra


A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores.
A Liberdade da Terra é assunto de todos quantos
se alimentam dos frutos da Terra.
Do que vive, sobrevive, de salário.
Do que não tem casa. Do que só tem o viaduto.
Dos que disputam com os ratos
os restos das grandes cidades.
Do que é impedido de ir à escola.
Das meninas e meninos de rua.
Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera.
Dos que amargam o desemprego.
Dos que recusam a morte do sonho.


A Liberdade da Terra e a paz no campo têm nome:
Reforma Agrária.
Hoje viemos cantar no coração da cidade.
Para que ela ouça nossas canções e cante.
E reacenda nesta noite a estrela de cada um.
E ensine aos organizadores da morte
e ensine aos assalariados da morte
que um povo não se mata
como não se mata o mar
sonho não se mata
como não se mata o mar
a alegria não se mata
como não se mata o mar
a esperança não se mata
como não se mata o mar
e sua dança.

Autor: Pedro Tierra

Vozes Sem Terra, site hospedado pela
Escola de Línguas Modernas
Universidade de Nottingham, Grã-Bretanha

Zé Pinto - O que pensaria Chê ?

Na parede um retrato do "Chê"
Na velha cadeira preguiçosa de fios
Azuis cor do céu
Um raro descanso.
véu da noite começa a cobrir
E na penumbra do cansaço
A viagem inicia.
Num país de ilusões tão profundas
E de pratos tão rasos,
De dimensão continental
E nem um taco de terra pra tantos,
De riquezas tão esnobes
E salários tão baixos.
Quando numa curva do trajeto
Surge, de repente, uma pergunta,
"Disso tudo, o que pensaria "Chê?"
Se não fosse hoje
Apenas um quadro na parede?
Antes que o viajante desperte,
que sabemos na certa
É que amanhã descobrirá
Que para os que sonham,
Nunca foi "Chê" apenas
Um quadro na parede.


Autor: Zé Pinto

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Universidade de Nottingham, Grã-Bretanha

Sebastião Salgado - A luta pela terra: crianças às margens das rodovias


Crianças em um acampamento sem-terra às margens da rodovia PR-158. Paraná, 1996.
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Sebastião Salgado - Migração rural para as grandes cidades


O sertão não pode mais reter seus habitantes. A estrutura agrária, rígida e feudal, exclui a possibilidade de o sertanejo dispor de um pedaço de terra, ainda que ínfimo, para a lavoura de subsistência. Por sua vez, o desmatamento se amplia na área, o que agrava os fenômenos da seca e desertificação no Nordeste. Os moradores abandonam o campo e buscam a sobreviência nas cidades, tornando ainda mais agudo o problema do êxodo rural. Fortaleza, por exemplo, teve sua população quadruplicada em poucos anos e se converteu numa das grandes metrópoles-favelas do continente. Ceará, 1983.
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Sebastião Salgado - Os pobres trabalhadores da terra


Na construção de um açude para a retenção das águas da chuva durante a grande seca de 1982-3, no sertão do Ceará, os trabalhadores pobres recebiam como remuneração a alimentação necessária à subsistência. Ceará, 1983.

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sábado, 2 de maio de 2009

História em tom de poesia


O pastor Miguel Brum me contou que há alguns anos esteve com os índios do Chaco paraguaio. Ele formava parte de uma missão evangelizadora. Os missionários visitaram um cacique que tinha a fama de ser muito sábio. O cacique, um gordo quieto e calado, escutou sem pestanejar a propaganda religiosa que leram para ele na língua dos índios. Quando a leitura terminou,
os missionários ficaram esperando.
O cacique levou um tempo. Depois, opinou:
- Você coça. E coça bastante, e coça muito bem.
E sentenciou:
- Mas onde você coça não coça.
Eduardo Galeano

O Elefante

Quando eu era criança, minha avó me contou a fábula dos cegos e o elefante.

Três cegos estavam diante do elefante. Um deles apalpou a cauda do animal e disse:

- É uma corda.

Outro acariciou uma pata do elefante e opiniou:

- É uma coluna.

O terceiro cego apoiou a mão no corpo do elefante e adivinhou:

- É uma parede.

Assim estamos: cegos de nós, cegos do mundo. Desde que nascemos, somos treinados para

não ver mais que pedacinhos. A cultura dominante, cultura de desvínculo, quebra a história
passada como quebra a realidade presente; e proíbe que o quebra-cabeças seja armado.

Eduardo Galeano

POR UMA EDUCAÇÃO CIDADÃ.

Discurso feito pelo Chefe Seattle ao Presidente Franklin Pierce em 1854

Esta carta representa um símbolo de luta pela preservação da natureza, da biodiversidade e da diversidade cultural


O grande chefe de Washington mandou dizer que desejava comprar a nossa terra, o grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa de nossa amizade.

Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O grande chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano.

Minha palavra é como as estrelas - elas não empalidecem.

Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho.

O homem branco esquece a sua terra natal, quando - depois de morto - vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos da campina, o calor que emana do corpo de um mustang, e o homem - todos pertecem à mesma família.

Portanto, quando o grande chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O grande chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendermos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar d'água é a voz do pai de meu pai. Os riois são nossos irmãos, eles apagam nossa sede. Os rios transportam nossas canoas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão.

Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora, deixa para trás os túmulos de seus antepassados, e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra - e seu irmão - o céu - como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante. Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto.

Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende.

Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das assa de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende; o barulho parece apenas insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou, de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento a sobrevoar a superfície de uma lagoa e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou rescendendo a pinheiro.

O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem.

O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensivel ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe o seu último suspiro. E se te vendermos nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado com a fragância das flores campestres.

Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.

Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que (nós - os índios ) matamos apenas para o sustento de nossa vida.

O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais, logo acontece ao homem. Tudo está relacionado entre si.

Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de seus pés são as cinzas de nossos antepassados; para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra - fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios.

De uma coisa sabemos. A terra não pertence, ao homem: é o homem que pertence à terra, disso temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que ele fizer à trama, a si próprio fará.

Os nossos filhos viram seus pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, envenenando seu corpo com alimentos adoçicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias - eles não são muitos. Mais algumas horas, mesmos uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que têm vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

Nem o homem branco, cujo Deus com ele passeia e conversa como amigo para amigo, pode ser isento do destino comum. Poderíamos ser irmãos, apesar de tudo. Vamos ver, de uma coisa sabemos que o homem branco venha, talvez, um dia descobrir: nosso Deus é o mesmo Deus. Talvez julgues, agora, que o podes possuir do mesmo jeito como desejas possuir nossa terra; mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira e é igual sua piedade para com o homem vermelho e o homem branco. Esta terra é querida por ele, e causar dano à terra é cumular de desprezo o seu criador. Os brancos também vão acabar; talvez mais cedo do que todas as outras raças. Continuas poluindo a tua cama e hás de morrer uma noite, sufocado em teus próprios desejos.

Porém, ao perecerem, vocês brilharão com fulgor, abrasados, pela força de Deus que os trouxe a este país e, por algum desígnio especial, lhes deu o domínio sobre esta terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é para nós um mistério, pois não podemos imaginar como será, quando todos os bisões forem massacrados, os cavalos bravios domados, as brenhas das florestas carregadas de odor de muita gente e a vista das velhas colinas empanada por fios que falam. Onde ficará o emaranhado da mata? Terá acabado. Onde estará a águia? Irá acabar. Restará dar adeus à andorinha e à caça; será o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

Compreenderíamos, talvez, se conhecêssemos com que sonha o homem branco, se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar desejos para o dia de amanhã. Somos, porém, selvagens. Os sonhos do homem branco são para nós ocultos, e por serem ocultos, temos de escolher nosso próprio caminho. Se consentirmos, será para garantir as reservas que nos prometestes. Lá, talvez, possamos viver o nossos últimos dias conforme desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará vivendo nestas floresta e praias, porque nós a amamos como ama um recém-nascido o bater do coração de sua mãe.

Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Proteje-a como nós a protegíamos. "Nunca esqueças de como era esta terra quando dela tomaste posse": E com toda a tua força o teu poder e todo o teu coração - conserva-a para teus filhos e ama-a como Deus nos ama a todos. De uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus, esta terra é por ele amada. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.